Os que são secretíssimos não contamos para ninguém.
Alguns dos que são um pouco menos secretos contamos para os mais íntimos. E
para os “conhecidos”, somos capazes de contar somente os segredos DOS OUTROS.
Desde criança, supervalorizamos os segredos. Eles
estabelecem quem serve ou não para ser nosso amiguinho na pré-escola, porque
contar uma confidência da mais secreta significa que a pessoa que contou confia
em você. Se ela contou que ainda faz xixi na cama, é porque é sua amiguinha e
você deve convidá-la para sua festinha de aniversário
Assim,
ao longo das nossas vidas, os segredos parecem exercer níveis de poder: eu sei, você não; eu guardo um segredo de você; eu guardo o SEU segredo dos outros. E mesmo crescendo em outras questões, ainda
lidamos mal com isso. Parece que seguimos a antiga premissa de que amigos
contam tudo um para o outro, como na pré-escola.
Confiança
é algo que se conquista. O que não adaptamos ao longo do nosso desenvolvimento psicológico
é o fato de que nem tudo o que acontece nas nossas vidas precisa ou deve ser compartilhado.
Há quem diga que, depois de ser contado para alguém, o que era segredo já o
deixa de ser.
O
amor romântico e sua aura sentimental relacionam-se aos carinhos, mas também
às confidências trocadas pelo casal em momento de grande cumplicidade. Sussurramos
frases que escondem em si nossa essência e necessidade de confiança no outro. E
desrespeito de verdade é contar os segredos daquele a quem você já teve
capacidade de, pelo menos, dizer amar. Sem nem pensar, metralhamos as
privacidades alheias sem maiores preocupações no momento em que são rasgadas as
fotos, em que ouvimos as músicas de fossa, depois de terem sido devolvidos os
pertences e sentimentos. Só sobra o rancor.
Este já dispõe de armas próprias de destruição em massa.
Dois grandes ícones da (BOA) música brasileira cantaram o
amor romântico e lidaram com um mesmo segredo de maneiras distintas. Cazuza e
Renato Russo morreram em decorrência de complicações causadas pela AIDS. Cazuza
enfrentou a doença em rede nacional; Renato Russo preferiu guardar a síndrome
como um segredo. Apesar de ter assumido ser HIV positivo e também homossexual,
Cazuza tinha um “beija-flor”, para quem ele contava seus “segredos de
liquidificador”. Sobre sua verdadeira identidade e esses segredos, apenas
podemos fazer suposições. Cazuza contou um segredo e escondeu outro: “eu
protegi teu nome por amor em um codinome, beija-flor”.
Essa música é tão bonita e ao mesmo tempo tão triste!
Como é difícil esconder um amor! Você explode de alegria, de felicidade e só
lhe é permitido esboçar um sorriso de canto de boca. O amor platônico tem muito
de segredo e mistério, mas também é sofrível. E como é difícil esconder uma
tristeza! Como é difícil guardar uma lágrima, não poder esclarecer, se abrir e
resolver a situação! Como é complicado guardar um segredo que alguém te contou
e que é de proporções gigantes! Imagino as dificuldades ser padre e ter que
preservar as confissões dos fiéis, ou ser pastor e ter que calar revelações que
foram confiadas numa conversa de atendimento. E trabalhar na CIA?
Levando
em conta toda a cultura do “se contou, é amigo”, pode ocorrer de um amigo te
apontar o dedo numa acusação, sem nenhuma consideração por todo o sentimento
acumulado que quer se espalhar do peito por causa de um segredo importante e te
dizer: “Como você teve a coragem de esconder isso de mim?”. É cruel.
Não estou falando de traição, porque um segredo como
esses desmorona a confiança e é sacanagem, mas TODOS guardamos segredos. Alguns
são grandes, outros insignificantes, mas a diferenciação entre eles e a
conveniência de compartilhá-los vai do coração de cada um, é responsabilidade intransferível.
E isso não significa, obrigatoriamente, falta de lealdade ou sinceridade. Não
existe regra, só bom senso. Um julgamento num caso desses pode ser o cuspe atirado
para cima que cai na testa, momentos depois. Ninguém é isento de segredos.
Os ouvidos são esconderijos em forma de concha... Segredos são pérolas a serem
preservadas. O que entra e fica lacrado na concha não deve sair sem a
permissão devida da boca de quem guardou o segredo e do coração de quem o contou.
Amizade, confiança, amor, lealdade e respeito são atitudes e sentimentos que incluem
o cuidado com as pérolas e conchas próprias e dos outros. Cuidado...
Um comentário:
Envie esse post à Casa Branca e à Agência de Segurança Nacional (NSA), dos EUA, pois eles estão com um número infinito de nossos segredos, colhidos indevida e ilicitamente, fruto da bisbilhotice globalizada.
Na verdade, é muito difícil guardar segredo. Do modo como as coisas caminham, até nossos pensamentos serão fruto de invasões múltiplas, pois logo logo será implantada a prática de se colocar um chip no recém nascido.
Assim, quando e quanto for possível, devemos guardar o mínimo de privacidade que nos resta, aquela parte não invadida pelo Estado, pelo poder público em geral e por outras pessoas físicas.
Parabéns. Outro excelente texto.
Bob.
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