quarta-feira, 10 de setembro de 2014

R.I.P.



Morremos várias vezes. Não sou espírita, mas creio que morremos muito, com constância. Não fisicamente, não de morte morrida. Mas morremos! Só nessa semana já devo ter morrido umas 5 vezes.
Morro quando meu ódio é maior que minha alegria. Morro quando gritam comigo. Morro quando esqueço de ligar para meus amigos. Morro. Morro quando choro de dor da alma. Morro, também, quando sou acometida de uma felicidade quase irreal, que me leva para o paraíso e me devolve à Terra em questão de segundos. Morro quando desacredito. Morro quando empobreço meu espírito. Morro quando ouço “eu te amo”.
Entretanto, tenho tristemente morrido cada vez que ligo a TV e vejo partes daqueles vídeos. Os que mostram aquele menino gritando com o pai e a madrasta. Morro quando vejo aquela cena da faca. Minhas entranhas se estremecem e eu MORRO diante das imagens de dois adultos torturando uma criança. O que ele fez? Pra quê tudo isso? Isso tem me matado!! PAREM!! Meus olhos não querem ver e meus ouvidos não querem ouvir!!!
Gritos de socorro! Ele pede emprestado o telefone pra denunciar os agressores (pai e madrasta). Ele não manda. Ele pede emprestado. Ele grita de medo, de horror, de defesa, de quando alguém ofende sua mãe. “Ela que andava com tudo que é homem. Ela que era vagabunda, Bernardo”. “Cagão! Cagou nas calças?” “Froinha!” “Eu não tenho nada a perder, Bernardo. Tu não sabe do que eu sou capaz. Eu prefiro morrer na cadeia a viver nesta casa contigo incomodando!” E cada frase é uma sentença de morte.
Em entrevista, uma psicóloga disse que os dois responsáveis pelo menino não o mataram uma vez, apenas, mas VÁRIAS. E com ele, morri um pouco. Morreu um pouco da minha ilusão de que todo pai ama seu filho. Morreu em mim parte da paz que eu tinha de achar que tudo poderia ter sido obra de pessoas de fora, não daqueles que deveriam proteger o menino. E sempre que sou informada de casos assim, morro de pouquinho em pouquinho, morro pingado. Até quando vão me deixar morrer? Até quando matarão Bernardos? Tragam-nos pra mim!! Eu cuido bem deles! Até pago pensão, mas não os matem!! Não matem o brilho dos seus olhos, não matem sua risada gostosa após uma guerra de cócegas! Não matem sua magia infantil! Não matem suas brincadeiras e seus amigos imaginários! Não matem sua segurança! Não matem suas convicções!
Ainda bem que a esperança é a última que morre. Que ela seja a vitoriosa! Aquela que, em toda a glória, vence e faz renascer como fênix toda a alegria roubada, todo o amor extinguido, todo sorriso sincero. Deus teve misericórdia do Bernardo. Não cuidaram bem de um dos filhos dEle e Ele o recolheu. Que Deus tenha, também, misericórdia de nós que ficamos por aqui, nesse mundo perverso, e de cada voz que se calou diante dos gritos de socorro de Bernardo e outros tantos espalhados por aí. Porque matar alguém (de pouco em pouco, de muito em muito, por ação ou omissão) é coisa que não se faz!

Que nossas mortes sejam apenas as de rir. E que Bernardo finalmente descanse em paz, junto com uma parte nossa.