Morremos várias vezes.
Não sou espírita, mas creio que morremos muito, com constância. Não
fisicamente, não de morte morrida. Mas morremos! Só nessa semana já devo ter
morrido umas 5 vezes.
Morro quando meu ódio é
maior que minha alegria. Morro quando gritam comigo. Morro quando esqueço de
ligar para meus amigos. Morro. Morro quando choro de dor da alma. Morro,
também, quando sou acometida de uma felicidade quase irreal, que me leva para o
paraíso e me devolve à Terra em questão de segundos. Morro quando desacredito.
Morro quando empobreço meu espírito. Morro quando ouço “eu te amo”.
Entretanto, tenho tristemente
morrido cada vez que ligo a TV e vejo partes daqueles vídeos. Os que mostram
aquele menino gritando com o pai e a madrasta. Morro quando vejo aquela cena da
faca. Minhas entranhas se estremecem e eu MORRO diante das imagens de dois
adultos torturando uma criança. O que ele fez? Pra quê tudo isso? Isso tem me
matado!! PAREM!! Meus olhos não querem ver e meus ouvidos não querem ouvir!!!
Gritos de socorro! Ele
pede emprestado o telefone pra denunciar os agressores (pai e madrasta). Ele não
manda. Ele pede emprestado. Ele grita de medo, de horror, de defesa,
de quando alguém ofende sua mãe. “Ela que andava com tudo que é homem. Ela que
era vagabunda, Bernardo”. “Cagão! Cagou nas calças?” “Froinha!” “Eu não tenho
nada a perder, Bernardo. Tu não sabe do que eu sou capaz. Eu prefiro morrer na
cadeia a viver nesta casa contigo incomodando!” E cada frase é uma sentença de morte.
Em entrevista, uma
psicóloga disse que os dois responsáveis pelo menino não o mataram uma vez,
apenas, mas VÁRIAS. E com ele, morri um pouco. Morreu um pouco da minha ilusão
de que todo pai ama seu filho. Morreu em mim parte da paz que eu tinha de achar
que tudo poderia ter sido obra de pessoas de fora, não daqueles que deveriam
proteger o menino. E sempre que sou informada de casos assim, morro de
pouquinho em pouquinho, morro pingado. Até quando vão me deixar morrer? Até
quando matarão Bernardos? Tragam-nos pra mim!! Eu cuido bem deles! Até pago
pensão, mas não os matem!! Não matem o brilho dos seus olhos, não matem sua
risada gostosa após uma guerra de cócegas! Não matem sua magia infantil! Não
matem suas brincadeiras e seus amigos imaginários! Não matem sua segurança! Não
matem suas convicções!
Ainda bem que a
esperança é a última que morre. Que ela seja a vitoriosa! Aquela que, em toda a
glória, vence e faz renascer como fênix toda a alegria roubada, todo o amor extinguido,
todo sorriso sincero. Deus teve misericórdia do Bernardo. Não cuidaram bem de
um dos filhos dEle e Ele o recolheu. Que Deus tenha, também, misericórdia de
nós que ficamos por aqui, nesse mundo perverso, e de cada voz que se calou
diante dos gritos de socorro de Bernardo e outros tantos espalhados por aí. Porque
matar alguém (de pouco em pouco, de muito em muito, por ação ou omissão) é
coisa que não se faz!
Que nossas mortes sejam
apenas as de rir. E que Bernardo finalmente descanse em paz, junto com uma
parte nossa.