sexta-feira, 16 de maio de 2014

A pessoa física.



    Sabemos dos flashes. Sabemos das postagens. Sabemos dos lugares visitados e “linkados” nas redes sociais. Sabemos das principais poses dos “selfies”. Sabemos dos artigos publicados em revista científica. Sabemos das páginas curtidas. Sabemos dos horários de atendimento na faculdade. Sabemos dos cursos feitos e das informações do curriculum lattes. Sabemos da aparência. Sabemos da superfície. E só!
    Sabemos tanto e tão pouco!! Somos CPF e RG, número de inscrição, matrícula e notas. São tantas identidades...  poucas delas são profundas e profundamente conhecidas por outros. Resolvemos rápido. Somos muito, muito práticos! E quem não seria? Tantas obrigações a serem cumpridas, tantos prazos inevitavelmente cansativos! Quem é que tem tempo pra passar da beiradinha dessa vida?
    Um professor meu diz que estamos na época da picnolepsia, dos saltos rápidos de uma coisa para a outra, da velocidade que não deixa explicar o já suficientemente explicado, mesmo nos momentos de lazer, divertimento. Outra professora minha fala de uma tal de esquizofrenia, de um indivíduo esquizofrênico em vários sentidos: em viver uma vida irreal (e existe alguma realidade real? Redundância necessária, nesse caso). Esquizofrenia nos comportamentos bizarros, na pouca preocupação em fazer algum sentido (sentido? Oi?), na dificuldade de prestar atenção nas coisas e também no isolamento social (mas eu tenho 540 amigos no face!)
    E quem ousaria perder tempo pra ir mais a fundo? O, menino, e tempo é propriedade sua pra você conseguir perdê-lo? Quem manda no tempo? Se você procura tempo, você acha? Porque, “quem procura acha”, não é? Tempo é relógio ou tempo é ilusão? Concreto ou ficção? Temos cronograma a ser cumprido? Alguns dizem que sim. Quem tem mania de planejar, como eu, sabe que mesmo que digamos que somos um “espírito livre”, tudo isso é puro discurso. Só mais uma identidade construída pra convencer os outros de algo que queremos ser... Mas não conseguimos! Dizemos não ter preocupações com futuros próximos ou distantes, mas já escolhemos o vestido de noiva. Falamos que só estamos conhecendo o rapaz, que vamos viver um dia de cada vez, mas já temos os nomes dos filhos decididos desde os 13 anos. E já testamos o sobrenome do moçoilo no nosso próprio, tirando e pondo letras, numa imaginação quase material de um casamento feito pra durar, VISIVELMENTE agradável... aos outros. Mas conhecemos o rapaz num dia e no outro já descartamos. Pouco tempo. “É tarde, é tarde, é tarde, eu tenho pressa”, como diria o coelhinho do filme da Alice no País das Maravilhas. A menina quer o perfeito. E pra já! Perder tempo, investir, pra quê?
    Eu gosto mesmo é de pessoa física! Palpável! Alguém que não é entidade, instituição ou ator, interpretando uma versão melhorada de si mesmo.  Alguém com pai, mãe, cachorro, vida, casa, que faz cocô, que xinga de palavrão quando esquece o dedo na quina, que chora e ri. Alguém que seja mais de um alguém (porque ninguém é uma coisa só o tempo todo! Isso também é puro discurso dos pseudo-sinceros). Alguém com tempo!
    To cansada de casca e carão! To cansada de pressa e pressão! Quando eu encontro alguém capaz de se deixar levar, de se despir do poder e da pose, me deleito como criança no parque de diversão!
    Então... Olha nos meus olhos e perde tempo comigo, que viver sem pressa é carinho! Perder tempo é devoção... E esquecer a cena é emoção.