“Ah,
que se o amor não é mais como antes, meu bem. Deve ser do mundo que gira ou de
uma outra mulher a culpa.” – Maria Gadú e os Varandistas, A culpa.
Ela
está presente em tribunais, igrejas, cenas cotidianas, nos consultórios de
psicólogos, nas conversas entre amigas, nas lágrimas dos olhos. A culpa.
Somos culpados noite e dia de situações,
sentimentos, palavras, ações. O dia vem e a culpa acompanha. A noite chega e a boa
educação manda: peça desculpas! Pedir desculpas por que? Por tudo! Pelo sapato
que apertou o calo de outrem, pela palavra verdadeira - mas mal dirigida, pelos
olhares tortos. Culpa, culpa, culpa. Um fardo imaginário, abstrato, que pesa
mais que caminhão lotado, que curva as costas de quem a carrega, sem tratamento
ortopédico que cure!
Nesse fim de semana ouvi uma história de
dois priminhos meus. O mais novo quebrou algo em casa e colocou a culpa no mais
velho, sem pensar duas vezes. O estranho é que o mais novo tem quase dois anos,
e, apesar de mal saber falar o nome do irmão, apontou-lhe como culpado para a
mãe, quando indagado por ela. Não faz nem ideia do que significa a palavra culpa,
nem consegue pronunciá-la, mas já a utiliza como ferramenta para safar-se das
broncas da mãe. Esse instinto humano parece tão natural quanto o de andar pra
frente sobre dois pés.
Culpa dada, culpa recebida, DESculpas.
Assim como esse meu primo mais novinho,
vamos levando a vida, levantando o dedo na direção de outros, quaisquer que
sejam: indivíduos, situações, sentimentos, objetos. “Ele é que começou!” “A
culpa dos meus quilos a mais é da ansiedade.” “Eu fiz isso, porque te amo!”. E
o “me desculpe” parece virar mais um ponto final na conversa do que real
arrependimento sobre certa atitude. A expressão “desculpa”, levando consigo o
prefixo “des”, refere-se ao desejo de que a culpa seja retirada. Esse desejo
deveria vir acompanhado de verdadeira contrição e pesar, não de simples
mandamento de educação social.
Somos seres cheios de desculpinhas e
ironicamente nos desculpamos por tudo. Somos, ao mesmo tempo, julgadores ferrenhos
e isentores compassivos de nós mesmos. Carregamos culpa desnecessária e jogamos
no lixo aquela que nos pertence, que é de nossa responsabilidade. Pedimos
desculpas pela porta do carro que escapou da mão e fechou fazendo barulho, mas
não pedimos desculpas pela puxada de tapete naquele colega de trabalho ou
estudo. Pedimos que Deus perdoe nossas ofensas/dívidas, assim como perdoamos a
quem nos tem ofendido/aos nossos devedores, mas esquecemos de colocar em prática
essa última parte da prece dita nas missas/cultos.
Não perdoamos. Cochichamos mesmo! Apontamos
para o outro como apontaríamos para nosso irmão mais velho. Sentamos no rabo e
rimos dos dos outros. Não concedemos perdão nem mesmo a quem não teria que ter nos
pedido. O marido perdoa a adúltera, mas nós, como sociedade, apontamos-lhes os
dedos. Corno! Vadia! Damos atenção aos pecados alheios e esquecemo-nos dos
nossos. Indicamos e reparamos no cisco em olhos ao redor, mas não enxergamos a viga
dentro dos nossos próprios (Mateus 7: 1-5).
Culpa, culpa, culpa. Carregada e vivida.
Culpamos o sistema, o governo, a vizinha, o mau tempo, o raio que o parta.
De quem foi a culpa do término do
relacionamento? Quem esqueceu de recolher o lixo? Quais são os seus pecados e
falhas? Qual a diferença entre eles? Até que ponto somos referência de pureza e
imparcialidade para julgamentos de culpa? Quem nos dá direitos como esse? Quais
culpas não são nossas e as carregamos mesmo assim? Precisamos de absolvição
outra que não seja de Deus? Por onde passa a sua culpa? O que existe no fim
dela? É muita pergunta pra pouca resposta. Desculpa.