terça-feira, 19 de novembro de 2013

Não fui eu...



“Ah, que se o amor não é mais como antes, meu bem. Deve ser do mundo que gira ou de uma outra mulher a culpa.” – Maria Gadú e os Varandistas, A culpa.
   
     Ela está presente em tribunais, igrejas, cenas cotidianas, nos consultórios de psicólogos, nas conversas entre amigas, nas lágrimas dos olhos. A culpa.
    Somos culpados noite e dia de situações, sentimentos, palavras, ações. O dia vem e a culpa acompanha. A noite chega e a boa educação manda: peça desculpas! Pedir desculpas por que? Por tudo! Pelo sapato que apertou o calo de outrem, pela palavra verdadeira - mas mal dirigida, pelos olhares tortos. Culpa, culpa, culpa. Um fardo imaginário, abstrato, que pesa mais que caminhão lotado, que curva as costas de quem a carrega, sem tratamento ortopédico que cure!
    Nesse fim de semana ouvi uma história de dois priminhos meus. O mais novo quebrou algo em casa e colocou a culpa no mais velho, sem pensar duas vezes. O estranho é que o mais novo tem quase dois anos, e, apesar de mal saber falar o nome do irmão, apontou-lhe como culpado para a mãe, quando indagado por ela. Não faz nem ideia do que significa a palavra culpa, nem consegue pronunciá-la, mas já a utiliza como ferramenta para safar-se das broncas da mãe. Esse instinto humano parece tão natural quanto o de andar pra frente sobre dois pés.
    Culpa dada, culpa recebida, DESculpas.
    Assim como esse meu primo mais novinho, vamos levando a vida, levantando o dedo na direção de outros, quaisquer que sejam: indivíduos, situações, sentimentos, objetos. “Ele é que começou!” “A culpa dos meus quilos a mais é da ansiedade.” “Eu fiz isso, porque te amo!”. E o “me desculpe” parece virar mais um ponto final na conversa do que real arrependimento sobre certa atitude. A expressão “desculpa”, levando consigo o prefixo “des”, refere-se ao desejo de que a culpa seja retirada. Esse desejo deveria vir acompanhado de verdadeira contrição e pesar, não de simples mandamento de educação social.
    Somos seres cheios de desculpinhas e ironicamente nos desculpamos por tudo. Somos, ao mesmo tempo, julgadores ferrenhos e isentores compassivos de nós mesmos. Carregamos culpa desnecessária e jogamos no lixo aquela que nos pertence, que é de nossa responsabilidade. Pedimos desculpas pela porta do carro que escapou da mão e fechou fazendo barulho, mas não pedimos desculpas pela puxada de tapete naquele colega de trabalho ou estudo. Pedimos que Deus perdoe nossas ofensas/dívidas, assim como perdoamos a quem nos tem ofendido/aos nossos devedores, mas esquecemos de colocar em prática essa última parte da prece dita nas missas/cultos.
    Não perdoamos. Cochichamos mesmo! Apontamos para o outro como apontaríamos para nosso irmão mais velho. Sentamos no rabo e rimos dos dos outros. Não concedemos perdão nem mesmo a quem não teria que ter nos pedido. O marido perdoa a adúltera, mas nós, como sociedade, apontamos-lhes os dedos. Corno! Vadia! Damos atenção aos pecados alheios e esquecemo-nos dos nossos. Indicamos e reparamos no cisco em olhos ao redor, mas não enxergamos a viga dentro dos nossos próprios (Mateus 7: 1-5).
    Culpa, culpa, culpa. Carregada e vivida. Culpamos o sistema, o governo, a vizinha, o mau tempo, o raio que o parta.
    De quem foi a culpa do término do relacionamento? Quem esqueceu de recolher o lixo? Quais são os seus pecados e falhas? Qual a diferença entre eles? Até que ponto somos referência de pureza e imparcialidade para julgamentos de culpa? Quem nos dá direitos como esse? Quais culpas não são nossas e as carregamos mesmo assim? Precisamos de absolvição outra que não seja de Deus? Por onde passa a sua culpa? O que existe no fim dela? É muita pergunta pra pouca resposta. Desculpa.


terça-feira, 12 de novembro de 2013

Castanhos.



“Veja o sol dessa manhã tão cinza. A tempestade que chega é da cor dos teus olhos castanhos”.

   Há uns dois anos, a música Tempo Perdido se tornou a minha preferida dentre todas as que eu frequentemente escuto. A melodia linda, a introdução, que se repete em riffs no resto da música, a letra tocante, tudo! Simplesmente tudo nela me agrada!!! É aquele tipo de música que eu ouço repetidas vezes e não me canso!
   O engraçado nisso é que, apesar de adorar a letra, o trecho transcrito acima sempre foi motivo de dúvida e reflexão pra mim. Me pego pensando no por que de o Renato Russo ter descrito a tempestade como marrom, castanha como os olhos de alguém. Apesar de saber que toda música tem diversas conotações, essa parte me intriga! Eu não sou louca!! As tempestades têm nuvens cinzas, azuladas, escuras, não marrons, certo??
   Essa minha interrogação permaneceu até que, em um dia como o de ontem, eu compreendi. Tempestades que levantam o pó do chão, a poeira, a terra, são, sim, marrons. E a foto de abertura do post, que prova isso, foi tirada ontem, na hora da formação de uma tempestade forte.
    E a letra me leva obrigatoriamente a perguntar: quantas vezes as nossas tempestades não estão nos olhos de alguém, não somente em cor, mas em razões? Quantas vezes um amor, o olhar fundo nos olhos, não levanta todo o tipo de poeira do chão, daquela que não há como esconder sob nenhum tapete mágico e gigante? E quanta tempestade em copo d’água não é feita desnecessariamente por isso?
    E dentre tanto aguaceiro e lágrimas, o alívio desejado vem num abraço forte, na sensação de estar apenas com a pessoa e longe de tudo o que incomoda, na conexão a dois, num momento em que nada mais importa além do par, tendo uma contagem de tempo exclusiva!
    E só quem já se apaixonou de verdade sabe! Não há como esconder! As borboletas sobrevoam o estômago e o bater de suas asas atingem os olhos, a boca, os sorrisos, o corar das bochechas. Nada é mais lindo! Nada é mais enlouquecedor e ironicamente calmante que estar apaixonado! A pele fala, a sua vó repara, o tempo para. E, mesmo aos 26, permaneço tão jovem! Isso não leva em conta a minha idade cronológica, mas a minha habilidade de me apaixonar pela vida, por pessoas, por contato, palavras e ações. Me apaixono pelo encontro dos dedos e dos lábios. Permaneço tão jovem e as tempestades marrons me acompanham, porque é assim que a minha vida acontece: no castanho, com água e barulho.
    A sensação de cumplicidade supera os escuros, as dúvidas, e faz com que as promessas sejam feitas em acordos não ditos, porque as frases perdem um pouco do status de contrato. Tudo se sabe, ainda que não expresso. O olhar diz.
    E nunca é tempo perdido. Nunca será.
   Apaixonar-se é necessário à sobrevivência, num mundo onde jogar-se em confiança e alegria é loucura. Amar é preciso, numa sociedade em que futilidades tomam o lugar de sentimentos. E borboletear o estômago é essencial. É termômetro independente do clima.


terça-feira, 5 de novembro de 2013

Resiliência.


Pode vir! A sua vontade de penalização eu enfrento com um sorriso aberto no rosto.

Vem!! Venha armado! Venha com os seus melhores argumentos! Venha com a sua vontade de me ver na pior! Eu sou resiliente, não se deixe enganar pelos meus olhos marejados!

Ta esperando o que? COVARDE!!! Olha pra mim quando estiver falando sobre a minha vida!! Já chorou comigo, agora enfia o punhal! Eu aguento! Pode vir! Já passei por muita coisa e os traumas me deixaram preparada pra gente como você! Vem! Ta demorando por quê?

Eu choro, mas supero. Eu grito, mas recolho. Eu desmorono, mas reconstruo. Continue com os risinhos amarelos, com os comentários de lado, com as indiretas disfarçadas. Essa é a única arma que você tem contra a sua própria essência ruim, frustrada e invejosa. Apedreja, que eu mato no peito!

    
    Eu não sou nada. Eu sou só um elástico esticado no seu máximo grau. Estou só esperando que minhas bordas deixem de ser repuxadas, pra me recompor com o mínimo de deformação. As forças de tração são maiores do que o que eu posso aguentar sem me modificar em aspecto, pensamento e atitude. Mas eu volto, viu? Volto com experiência.
    
    Meus olhos não mentem. Meu sorriso, sim. Quem souber desvendar o que há por trás do castanho-esverdeado, saberá o que tem por aqui. A angústia segue, o desabafo se cala em digitações desesperadas e eu sei o porquê das lágrimas.

    Escreve, minha filha. Escreve, que ajuda. Não passa, mas ajuda. Ainda vão te esticar muito. Você ainda vai encontrar um menino mimado e pouco vivido que vai querer te testar, te fazer de estilingue, te usar de culpada por matar o passarinho da árvore. Você aguenta. Já suportou muitas coisas; mordidas de cachorros, crianças pulando e cantando, foi jogada na bunda da professora de artes e está aqui. Sobreviveu. E resiliência é isso, afinal, não é?

    As comparações com elásticos frágeis, de prender dinheiro, são ínfimas perto das forças que tentam te estourar agora. Foi-se o dia em que um puxãozinho já era sofrimento. Agora você está numa conversa de gente grande. Aprenda.

    E já que é pra ser esticada, aproveita pra se jogar em outra! Estica tudo e vai voando! Some, pufff! Desaparece e esquece!!! Nem todo o puxão traz só dor. Nem toda a força contrária leva somente ao desespero. Enxuga as lágrimas e voa, que esse é o momento de dar uma banana e fugir para viver! Deixa o menino achar outro brinquedo. Uma hora ele cresce e para de matar passarinhos. E deixe estar... A vida ainda vai tratar de esticá-lo ao máximo também. Pena que ele não é elástico!